Sou uma carroça velha, mas muito bem conservada pelo meu dono. Gosto muito do que faço: transportar alimentos, flores, pessoas... No fundo, minha missão é eliminar distâncias.
Uma amiga minha está encostada. Deus me livre! Claro que tudo tem seu tempo, mas perder a utilidade é muito triste. Bom mesmo é estar sempre cheinha, lotada de gente boa, de coisas boas.
Nas minhas viagens transportei pessoas simpáticas e gentis. Estas pessoas quando falam é como se deixassem uma trilha de flores e no vento um aroma de primavera.
Na verdade, aprendi muito carregando os humanos. Certa vez, meus donos me emprestaram para um casal. A mulher falava sem parar de tudo o que via:
- Olha ali a filha de dona do Carmo! Uma hora dessas, namorando na calçada.
O homem apenas ouvia e no pensamento lamentava.
- Você sabia, querido, que dona Antonieta está pensando em deixar o marido?
- Deixa a vida dos outros pra lá, mulher.
- Ora, deixe de ser chato, meu bem.
E durante a viagem, a mulher continuava falando e acenando para todos.
De repente, um barulho feio começou a incomodar a mulher.
- Que zoada é esta, marido?
- É de uma carroça vazia.
- Vazia? Como você sabe que está vazia?
- Pelo barulho. Se ela estivesse cheia de objetos o peso diminuiria o atrito dos pneus contra as pedras do calçamento.
- Ah...
A carroça então passou por eles. O homem que a conduzia saudou o casal.
- Viu só, mulher?
- Mas como é que pode? Tanto barulho por nada.
- Assim são as pessoas. Uma pessoa fofoqueira fala, fala sem parar. Reclama, resmunga... De longe, pelo barulho, você até pensa que ela fala algo de bom, mas quando você chega perto, vê o quanto a pessoa é vazia e por isso se ocupa tanto com a vida dos outros.
Eu entendi que o homem estava se referindo à própria esposa. Mas ela não se sentiu tocada.
- É mesmo, querido.
- O pior, mulher, é que o barulho é tão grande que elas ficam surdas. Não escutam ninguém.
E dizem que nós, carroças, somos mais ignorantes que os burros porque estamos sempre atrás deles, mas eu entendi perfeitamente.