(Condensado de «The Saturday Review of Literature»)
Por Leonard Q. Ross - SELEÇÕES 1942
Tinha Eu uns nove ou dez anos quando li esta história. Nunca lhe esqueci o vago horror. Contei-a muitas vezes, e a muita gente. Ninguém pôde jamais esclarecer-me sobre o seu autor ou sobre a sua origem.
Ivan era um homenzinho tímido - tão tímido que os camponeses do lugar lhe chamavam «Pombo», ou caçoavam dele dando-lhe o título de «Ivan o Terrível» . Todas as noites ia ao botequim, situado logo depois do cemitério da aldeia. Ao regressar à sua cabana solitária, que ficava do outro lado, não atravessava o cemitério. Havia neste um caminho que lhe pouparia distância, mas ele nunca enveredou por aí - nem mesmo em noites de lua.
Certa feita, no inverno, já noite alta, quando a neve e o vento cortante batiam de encontro às janelas do botequim, os fregueses habituais começaram a lançar-lhe os motejos de costume: «A mãe do Ivan, quando o trazia no ventre, assustara-se com um canário.» «Ivan o Terrível - o Terrivelmente tímido».
Os humildes protestos de Ivan serviam apenas de estímulo para a galhofa, e esta aumentou ainda quando o jovem tenente Cossaco lançou o horrível desafio:
—Você é um pombo, Ivan. Mesmo com este frio infernal, você prefere fazer a volta do cemitério, mas não ousa nunca atravessá-lo.
—Não há nada de extraordinário em atravessar-se o cemitério, tenente. É um pedaço de terra, como outro qualquer! balbuciou Ivan.
O tenente exclamou:
—Pois então, é um desafio! Atravessar o cemitério esta noite, Ivan, e dar-lhe-ei cinco rublos - cinco rublos em ouro!
Fosse o «vodka» , ou a tentação dos cinco rublos, ninguém soube jamais qual a verdadeira razão. Ivan, molhando os lábios, respondeu, de súbito:
—Está bem, tenente. Atravessarei o cemitério!
Correu pela sala um murmúrio de dúvida. O tenente, piscando os olhos para os outros, desembainhou a espada.
—Tome, Ivan. Quando chegar ao centro do cemitério, em frente ao maior dos túmulos, enfie a espada na terra. De manhã, iremos lá. E, se encontrarmos a espada onde lhe digo - os cinco rublos são seus!
Ivan tomou a espada. Os outros beberam-lhe à saúde:
—À de Ivan o Terrível! E as gargalhadas redobraram.
O vento atirou-se contra Ivan quando ele fechou atrás de si a porta do botequim. O frio cortava como a lâmina de uma faca. Abotoando o seu longo capote, atravessou Ivan a estrada enlameada. Ecoavam ainda nos seus ouvidos, mais altas do que o resto, as palavras que o tenente lhe lançara:
—Cinco rublos, Pombo, se você voltar com vida!
Empurrou o portão do cemitério. Andava ligeiro. «Terra... terra como qualquer outra» . Mas as trevas em torno enchiam-no de um pesado pavor. «Cinco rublos de ouro...». O vento era cruel, e a espada, em suas mãos, parecia um pedaço de gelo. Ivan, trêmulo, sob o longo e pesado capote, desandou a correr.
Deu finalmente com o túmulo grande. É possível que tivesse soluçado - a julgar pelo som que o vento se encarregou de abafar. Ajoelhando-se, apavorado e frio, fincou no chão a lâmina que atravessando a dura crosta gelada mergulhou na terra. Afundou-a, então, com toda a força, até ao punho. Estava feito. O cemitério... o desafio... os cinco rublos de ouro.
Ivan ergueu em tão um dos joelhos. Mas não pôde mover-se mais. Alguma cousa o prendeu. Alguma cousa que o detinha firme e implacavelmente. Procurou libertar-se movendo corpo em todos os sentidos, arquejando de pânico, todo ele tomado de um medo horrível, monstruoso. Lançou alguns gritos de pavor seguidos de lamentos articulados sem nexo...
Encontraram-no, na manhã seguinte, em frente ao túmulo. Estava gelado. A expressão, que se lia no seu rosto, não era todavia de um homem morto pelo frio, mas a de quem sucumbira tomado de indizível pavor. E o sabre do tenente lá estava, enfiado na terra onde Ivan o metera atravessando e prendendo as abas do seu longo capote...
Enviada por Rossana Fetter